Com os sapatos aniquilados, Helena avança na neve
Se puder cicatrizar feridas alheias, estarei feliz no meu ofício
Antes de sair do Brasil em dezembro de 2018 eu havia lançado um livro chamado “Sob os pés, meu corpo inteiro” (ed. Record, 2018). Esse livro foi indicado em 2019 ao Prêmio Oceanos, quando eu já estava na França. A história é a de uma mulher exilada pela ditadura militar e que retorna para São Paulo tendo um tipo de futuro pleno de passado por descobrir. Alguém me disse que eu escrevo o futuro e isso me preocupou um pouco, pois esse livro tem algumas coisas que, de fato, aconteceram depois.
Ao sair do Brasil, a sensação de estar perdida tomou conta de mim, depois veio a pandemia e tremendas questões pessoais que só fui saber o quão terríveis eram recentemente, além das questões políticas que me tiraram do meu país e que são um pouco conhecidas do público. Nessa condição, tentei sobreviver. Falo de sobrevivência econômica, física e material e até mesmo psíquica, mas também de sobrevivência espiritual. Tive que ir atrás de todas elas, nenhuma foi fácil e eu mesma me surpreendo por ter, depois de tantas voltas, chegado inteira à casa de onde eu saí e da qual talvez nunca deveria ter saído. Reaprendi o que eu já sabia, que, para quem escreve, estando no exilio, a escrita se torna uma morada.
Sabendo que, mesmo estando perdida e sem chão, eu tinha essa morada, bastava eu encontrá-la em algum lugar. Foi assim que comecei um novo romance, sabendo que a literatura me aquietava, no corpo e na alma e que não haveria melhor companhia quando a solidão era inevitável. Hoje em dia se fala muito da “solitude”, da qual eu sempre gostei, mas como qualquer pessoa eu não gostei da solidão real, dura e cruel que experimentei muitas vezes, solidão na qual fui aprisionada por gente sem nenhuma capacidade para a alteridade.
Helena nasceu entre desenhos. Essa mulher com seu corpo particular e sua capacidade de agir me ajudou a seguir e desacelerou o passo acenando de longe quando eu não a acompanhava.

Ao longo da vida estive cavando tempo e espaço para escrever, por isso eu sempre fiz tudo meio rápido, por isso eu fiz muitas coisas, para não sentir culpa por ter deixado de fazer alguma coisa, e poder ficar quieta no meu canto escrevendo. Quem me conhece sabe que eu gosto de cozinhar e de desenhar, de encontrar meus amigos e amigas. Não muito mais que isso. E, de fato, nada disso seria possível se eu não pudesse gastar meu tempo, quieta num canto construindo e analisando uma frase. Eu escrevo ensaios que são um meio de comunicação com um mundo que precisa de reflexão, mas é a literatura que costura as minhas partes e cicatriza as minhas feridas. Se puder cicatrizar feridas alheias, estarei feliz no meu ofício.
Seus escritos alimentam meus dias e dão esperança e força pra seguir em frente. Obrigada!
Já encomendei!♥️